CONSTITUTIONAL REVIEW | CONSCIENTIOUS OBJECTION | MILITARY SERVICE | CIVIC SERVICE | JEHOVAH’S WITNESSES
Constitutional Court, judgment No. 681/95, 05.12.1995
JURISDICTION: Constitutional
SUBJECT: Constitutional review; conscientious objection
RAPPORTEUR: Monteiro Dinis
RULING: Non unconstitutionality of the provision in Article 18(3)(d) of Law No. 7/92, of 12 May 1992, which requires an express statement by the conscientious objector to the military service of his availability to render alternative civic service.
DOMESTIC LAW:
1976 Constitution (Articles 18, 41 and 276)
Law No. 7/92, of 12 May 1992 (Conscientious Objection Act)
Law No. 6/85, of 4 May 1985, amended by Law No. 101/88, of 25 August 1988 (Conscientious Objector to the Mandatory Military Service Act)
Law No. 30/87, of 7 July 1987, amended by Law No. 89/88, of 1 August 1988 (Military Service Act)
Decree-Law No. 463/88, of 15 December 1988 (Military Service Regulation)
1933 Constitution [Article 8(3)]
1911 Constitution (Article 3)
1838 Constitution (Article 11)
1826 Constitutional Charter (Article 145.º §)
Constitutional Court judgments Nos. 99/88, 74/84, 201/86, 413/89, 451/89, 370/91, 474/89, 65/91
INTERNATIONAL LAW:
Universal Declaration of Human Rights (Article 18)
European Convention on Human Rights (Article 9)
European Commission on Human Rights’ ruling of 11 October 1984, application No. 10410/83
FOREIGN LAW:
German Constitution (Article 4)
Austrian Constitution (Article 9)
German Weimar Constitution (Article 135)
German 1849 Constitution (§ 144)
Austrian Constitution
Swiss 1874 Constitution (Article 49)
Constitution of the State of Pennsylvania of 1776 (Article 8)
Constitution of the State of Vermont of 1777 (Article 9)
Constitution of the State of Delaware of 1776 (Section 10)
Constitution of the State of New Hampshire of 1784 (Article 13)
German Civic Service Act (§ 15)
KEYWORDS: Conscientious objection; freedom of conscience, religion and worship; Jehovah Witness; civic service; military service; principle of equality; National Commission for Conscientious Objection; defence of the Homeland; non-armed military service; humanistic or philosophical reasons; ethic or moral value standards; reasons of conscience; person’s intimacy; personal convictions; citizens’ rights and obligations; duties vis-à-vis the community; unacceptable situation of privilege; conscience dictates; individual autonomy; fundamental duty of solidarity; full objector; factors of identification and self-understanding for the human being; internal adherence to collective values; socially required behaviour; value of tolerance; human dignity; free development of personality; being-with-others; conscientious objector status; mental reservation; Catholic Church; State secularisation; Council of Vatican II; religious confession; religious imperative; Biblical prohibition to kill; God; moral integrity; minorities; general duty to obey the law; fundamentalist; law revealed by God; protestant confessions; Mennonites; Quakers; pre-Constantinian Christianity; right to tolerance; pacifist religious confessions; conscience imperative; moral coherence; ethical individualism; negative freedom; seriousness of convictions
COMMENTS:
- This judgment of the Constitutional Court addresses an issue of much interest in terms of the principles and dogmatic framework involved, and also of particular practical importance, since it concerns the conscientious objection to compulsory military service. Despite being an issue that no longer has the same magnitude in Portugal, as there is no longer an obligation to render military service, the discussion on the issue of conscientious objection remains extremely relevant, namely in what concerns several other domains (medical treatments, etc.). In truth, issues related to freedom of religion, freedom of conscience and freedom of worship, although they are apparently consolidated by the more than 40 years of the Portuguese Constitution, still continue to raise a lively debate and, sometimes, extreme and not too conciliatory positions, even seeking legal and criminal intervention. In addition to the discussion that may arise at this level, namely in what concerns culturally motivated crimes and causes of exclusion of unlawfulness or criminal responsibility, reflections on behaviours and policies regarding inclusion/exclusion and discriminatory practices are no less important.
- In this specific case, although the conscientious objection concerns a Jehovah Witness, the circumstance is not expressly referred to nor considered by the Court, which neither individually identifies the reason for conscientious objection nor discusses its validity, thus accepting it intrinsically. The terms under which the judgment was adopted (seven votes in favour to six votes against), were of particular relevance, with the position in favour of the non-unconstitutionality of the provision under review winning by only a slight margin and with several dissenting opinions.
- These proceedings are based on a decision taken by the National Commission for Conscientious Objection, on 28 September 1994, that summarily rejected the statement of conscientious objection, on the grounds that it did not contain the express statement of the declarant’s availability to perform alternative civic service [as imposed by Article 18(3)(d) of Law no. 7/92 (Conscientious Objection Act)]. This decision was challenged by the applicant, who appealed to the Administrative Court of Coimbra, alleging the unconstitutionality of the provision for breach of Articles 41(6) and 276(4)(5) of the Constitution. The Court dismissed the appeal, rejecting the applicant’s unconstitutionality claim, and the decision was subsequently confirmed by the Supreme Administrative Court. Essentially, the argument was as follows: the obligation of the conscientious objector to perform civic service with the same duration and degree of arduousness as those of armed military service is directly imposed by Article 276(4) of the Constitution, which corresponds to the bilateral nature of the provision regarding the right to conscientious objection as guaranteed by Article 41(6). To that extent, this is an obligation or a limitation of a right that is grounded on the Basic Law itself and, as such, it is not even possible to raise the problem of unconstitutionality. Unsatisfied with these decisions, the applicant appealed to the Constitutional Court, considering, in sum, that the restriction under Article 18(3)(d) of Law no. 7/92, of 12 May 1992, is contrary to Articles 18(2), 41(6) and 276(4) of the Constitution (the judgment does not include the transcription or express reference to the applicant’s arguments).
- Efetivamente, se é certo que o n.º 1 do artigo 41.º da CRP estabelece que “a liberdade de consciência, de religião e de culto é direito inviolável”, o seu n.º 2 vem esclarecer que “ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa”. Nestes termos, garantindo a Constituição, expressamente, o direito à objeção de consciência (n.º 6 do artigo 41.º), o mesmo é assegurado “nos termos da lei”. No que em concreto respeita ao serviço militar, o artigo 276.º fixa a defesa da Pátria como direito e dever fundamental de todos os portugueses (n.º 1), estabelecendo uma norma específica relativa aos objetores de consciência: “os objetores de consciência ao serviço militar a que legalmente estejam sujeitos prestarão serviço cívico de duração e penosidade equivalentes à do serviço militar armado” (n.º 4). Esta objeção de consciência foi, mais tarde, regulamentada em lei, primeiro através da Lei n.º 6/85, de 4 de maio, alterada pela Lei n.º 101/88, de 25 de agosto (Lei do Objetor de Consciência perante o Serviço Militar Obrigatório), e depois através da Lei n.º 7/92, de 12 de maio (Lei sobre a Objeção de Consciência). Para o que aqui em particular releva, este diploma estabelece que o processo de aquisição do estatuto de objetor de consciência tem natureza administrativa e inicia-se com a apresentação pelo interessado de uma declaração de objeção de consciência (artigo 18.º), que deve ser instruída com um conjunto de elementos e documentos, de entre os quais avulta “a declaração expressa da disponibilidade do declarante para cumprir o serviço cívico alternativo” [alínea d) do n.º 3].
- O Tribunal Constitucional considerou, de modo bastante conciso e louvando-se já em decisões anteriores (como a do acórdão n.º 65/91), que a objeção de consciência é um direito que resulta como corolário da liberdade de consciência, constituindo-se como o “direito que cada um tem de agir conformemente ao juízo da sua própria consciência, imune, portanto, a qualquer coacção do Estado ou da sociedade – imunidade esta que arranca do facto de o juízo de consciência pertencer ao âmbito de intimidade da pessoa”. Sublinhando que a objeção de consciência abrange diversos domínios, cabendo ao legislador ordinário delimitar o seu âmbito concreto e regular o seu exercício, dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 18.º da Constituição, lembrou o Tribunal que, no caso do serviço militar, a Constituição define diretamente um quadro normativo no qual, dialeticamente, se situam o direito à objeção de consciência e o dever de prestação do serviço militar enquanto obrigação inerente à defesa da Pátria. Assim, tendo em conta o princípio da igualdade de encargos perante a coletividade, o Tribunal considerou que o reconhecimento geral do direito à objeção de consciência, entendido como consequência da liberdade de consciência, demandava que, em substituição do serviço militar, se admitisse uma forma de cumprimento dos deveres para com a comunidade que se traduzisse num sucedâneo daquele serviço para os objetores de consciência, não envolvendo na sua prestação qualquer colisão com aquela liberdade. Efetivamente, sendo a defesa da Pátria um (direito e) dever fundamental de todos os portugueses, o serviço militar (obrigatório, à data) não constitui a única forma de dar satisfação a tal dever, tal como, aliás, resulta do artigo 276.º da CRP, pelo que a prestação obrigatória de serviço cívico pelos objetores de consciência não corresponde a uma modalidade de cumprimento do serviço militar, mas antes a um modo diferenciado de cumprir os deveres para com a comunidade. Não viu o Tribunal, portanto, inconstitucionalidade na norma em causa, partindo do princípio de que o dever de prestar serviço cívico resulta da própria Constituição, haja ou não aceitação prévia do objetor, e considerando a declaração exigida na norma em causa um ónus que condiciona o exercício do direito, mas que está já ínsita (ainda que implicitamente) no texto constitucional.
- Deve notar-se, portanto, que o texto da decisão do Tribunal Constitucional não toca, em nenhum momento, o motivo que sustentou a objeção de consciência, não a pondo em causa, nem faz qualquer referência específica ao culto Testemunhas de Jeová. Toda a sua argumentação gira em torno da liberdade de consciência, entendida como pertencendo ao conjunto dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, e da necessidade da sua articulação com outro valor constitucional fundamental, o direito e dever de defesa da Pátria. Curioso verificar, ainda, que o Tribunal reconhece existir ainda um outro argumento relevante nesta matéria [o facto de a responsabilidade criminal gerada pelo não cumprimento do serviço cívico ser mais grave do que a derivada do não acatamento do dever de incorporação militar, nos termos dos artigos 33.º da Lei n.º 7/92 e 24.º, n.º 3, e 40.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 30/87, de 7 de Julho, na redação da Lei n.º 89/88, de 5 de Agosto], mas que não conhece por não fazerem aquelas normas parte do objeto do pedido – muito embora pareça assumir, de modo perfunctório, que não será razão que gere inconstitucionalidade.
- De muito relevo neste acórdão são, todavia, as declarações de voto, tal como referimos, uma vez que a questão foi aí amplamente debatida (porventura de modo mais aprofundado do que no corpo da decisão propriamente dita). Na primeira dessas declarações, a Conselheira Maria Fernanda Palma considera que a limitação imposta é inconstitucional por violação dos n.os 1 e 2 do artigo 18.º da CRP, na medida em que o cumprimento de dever cívico é consequência e não pressuposto do exercício do direito à objeção de consciência ao serviço militar, não podendo a lei impor uma limitação que a Constituição não prevê (não pode a lei ordinária fazer depender a objeção de consciência ao serviço militar de uma não objeção de consciência ao serviço cívico). Para o que aqui nos interessa em particular, são relevantes as reflexões que a Conselheira expende a propósito da liberdade de consciência como fundamento e limite das normas de Estado de Direito democrático, que concebe com distintas dimensões: o Estado de Direito impõe-se “a partir da adesão livre da consciência e da razão e não pela mera coercibilidade das suas normas; isto significa ainda que a legitimidade jurídica tem como critério a racionalidade, a consensualidade e a aceitabilidade das normas”, por um lado; por outro, “o Estado de direito democrático pressupõe a realização dos seus objectivos sem uma adesão interior aos valores colectivos, não visando formar a consciência no seu íntimo, mas conformar, no plano puramente externo, comportamentos sociais”; e, por fim, “a preservação da liberdade de consciência, da não conformação da consciência pelo Estado e pelo seu poder coactivo, é, em si mesma, um valor final do Estado de direito democrático”.
- The dissent opinion of Justice José de Sousa Brito (adopted also by Justice Guilherme da Fonseca) is particularly relevant in the judgment under discussion, not only because it is opposed to the majority, but also because it examines the issue with a thorough research and abundance of literature, legislative and case law references. The view expressed supports the unconstitutionality of the provision under review for two reasons: breach of Articles 41(6) and 276 of the Constitution of the Portuguese Republic, by refusing to grant the conscientious objector the correspondent status; and breach of Article 18(2), by establishing an unnecessary restriction of a fundamental right. For this purpose, five key aspects were analysed, which merit further attention. First, it is deemed essential that the consequences or effects of the provision be taken into account, which had not been done by the majority. It is noted that infringement of Article 18(2)(d) of Law no. 7/92, i.e. failure to deliver a statement in which the performance of civic service is expressly accepted, leads to the immediate dismissal of the request (pursuant to Article 21) and the consequent failure to obtain the conscientious objector status. As such, the citizen will remain subject to the corresponding military obligations and will be drafted. By refusing to render military service (as per his conscience), he will be considered as a draft evader and held responsible for the corresponding crime (a crime he will commit at each annual draft until he reaches the age of 35, when military obligations cease).
- Em segundo lugar, o Conselheiro José de Sousa Brito trata o direito de objeção de consciência previsto na CRP, fazendo uma viagem histórico-normativa pelos seus fundamentos, razão de ser, âmbito e sentido – este exercício parece-nos particularmente frutuoso para o que aqui nos ocupa, uma vez que os seus resultados são úteis para a reflexão (global) sobre o problema, independentemente das concretas manifestações que assuma. Começando por ir procurar as raízes da norma portuguesa ao artigo 4.º da Constituição alemã (única que, à altura, reconhecia o direito à objeção de consciência) e debruçando-se igualmente sobre os antecedentes existentes no constitucionalismo norte-americano, explica-se como os textos alemão e português consagram a objeção de consciência como direito fundamental, decorrente da liberdade de consciência. E como esta não está necessariamente relacionada com questões de índole religiosa (como sucedia na Carta Constitucional de 1826, na Constituição de 1838 e não Constituição de 1933), mas antes se exprime em convicções que podem ser também filosóficas ou ideológicas, afirmando-se como “liberdade ‘completa’, embora limitada pelas ‘leis gerais do Estado’[:] o grande passo em frente que a Lei Fundamental alemã, e depois a Constituição portuguesa, dão aqui, para além dos próprios antecedentes constitucionais e das declarações internacionais dos direitos do homem, é reconhecerem o direito à manifestação exterior da liberdade de consciência fora da esfera da prática religiosa ou semelhante, na prática geral da vida” – o que se revela, exatamente, no reconhecimento da objeção de consciência. O que está em causa, afinal, é o direito de recusar uma obrigação legal, em nome da consciência individual, resolvendo o conflito pela prevalência do princípio da inviolabilidade de consciência sobre o princípio da generalidade da lei. Nessa medida, a objeção de consciência representa, como nos diz a declaração de voto, a transformação do princípio da tolerância, anterior ao Estado constitucional, num verdadeiro direito humano. Trata-se, na verdade, da assunção plena de que “a consciência individual é o principal suporte ético do Estado de direito democrático, que baseia a força das suas normas na convicção íntima das pessoas que defendem os seus valores e lhe dão razão, mais do que no receio das suas sanções”, sendo, igualmente, “a última e decisiva barreira contra as ditaduras”.
- Avançando, depois, em concreto para a análise da possibilidade de violação no n.º 6 do artigo 41.º e do artigo 276.º da CRP, o Conselheiro explora o conceito de “objetor total” (aquele que objeta ao serviço militar e, igualmente, ao serviço cívico), debruçando-se, especificamente, ao contrário do que fez a maioria que obteve vencimento, sobre as testemunhas de Jeová, que, por imperativo religioso, objetam a qualquer tipo de serviço prestado ao Estado e, por consequência, tanto ao serviço militar como ao serviço cívico (“[s]egundo a doutrina desta confissão religiosa, a testemunha de Jeová ‘dedica tempo, energia e vida exclusivamente ao serviço de Deus omnipotente’ pelo que, ‘se pusesse de lado este dever… para executar qualquer outro trabalho atribuído pelo Estado, violaria o seu pacto aos olhos de Jeová’ e estaria sujeita a ‘sofrer a punição inflingida [sic] aos desertores de Jeová’, de cujo exército faz parte”). De acordo com esta posição, é necessário distinguir as duas objeções (ao serviço militar e ao serviço cívico), na medida em que o direito constitucional à objeção de consciência implica a distinção entre os casos em que o direito é reconhecido e aqueles em que não é – distinção essa que se fará em função do caráter fundamental da mesma, uma vez que “o direito à objecção de consciência decorre da basilar dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição) apenas quando o não reconhecimento do imperativo de consciência implica a violação da integridade moral da pessoa, que a Constituição considera inviolável (artigo 25º, n.º 1)”. Tal como se defende, não se trata, aqui, de um conflito entre a vontade da maioria e a da minoria (que é inerente ao princípio democrático), mas antes da oposição entre o princípio da vontade popular e o da dignidade da pessoa humana, “que se verifica quando a lei democrática entra em conflito com a norma estruturante da integridade moral da pessoa, que se considera ditada pela consciência individual”. Assim, tendo a inviolabilidade da consciência alicerce na inviolabilidade da integridade moral do indivíduo (que não pode ser coagido a uma decisão insuportável para a consciência e que deve determinar, nos limites da ordem jurídica, o exercício da sua liberdade), o objetor ao serviço militar pode ser, igualmente, objetor ao serviço cívico, invocando para ambas as objeções o mesmo fundamento. E, do mesmo modo, ainda que se defenda que a Constituição nega o direito à objeção ao serviço cívico, isso não bole com a objeção de consciência ao serviço militar, pelo que o seu não reconhecimento implicaria uma injustificada diferença de tratamento com outros objetores, com consequências penais de muito relevo. Nesse sentido, recusa-se a posição vencedora de que a obrigação de prestação de serviço cívico é uma alternativa ao cumprimento da obrigação de prestação de serviço militar, mas antes se encara aquela como uma outra obrigação, substitutiva e subsequente ao afastamento desta, pelo que a norma em crise violará, efetivamente, o artigo 41.º, n.º 6, e o artigo 276.º, n.º 4, da CRP.
- A declaração de voto debruça-se, ainda, sobre a violação do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, que considera existir na medida em que a norma em crise limita o n.º 6 do artigo 41.º da CRP, que, consagrando um direito fundamental, não pode ser restringida senão nas hipóteses constitucionalmente estabelecidas e nos termos fixados por aquele normativo, valendo a referência que aí se faz aos “termos da lei” não como uma reserva de lei, mas como uma consagração de um direito processualmente dependente. Rejeita, assim, o exercício que é feito no acórdão quanto à distinção entre “condicionamento” e “restrição”, julgando não só que estamos perante uma verdadeira restrição (uma vez que diminui o âmbito material do direito em causa), como ainda que todas as limitações a um direito fundamental estão, necessariamente, subordinadas à exigência de justificação constitucional imposta pelo artigo 18.º (conforme posição recorrente do próprio Tribunal Constitucional). Deveria, assim, segundo este entendimento, negar-se a necessidade da declaração imposta pela alínea d) do n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 7/92, uma vez que ela não é processualmente necessária e configura, em si própria, uma violação da consciência das testemunhas de Jeová, que a têm por insuportável.
- Por último, o Conselheiro José de Sousa Brito analisa ainda a hipótese de a obrigação de prestação de serviço cívico, imposta ao objetor de serviço militar, violar o direito de objeção de consciência previsto no n.º 6 do artigo 41.º, uma vez que a revisão constitucional de 1982 procedeu à sua generalização. Efetivamente, ao deixar de referir-se, específica e limitadamente, à objeção ao serviço militar e, bem assim, ao deslocar o tratamento desta matéria para o artigo 276.º, poderá discutir-se se legislador constitucional pretendeu operar uma “degradação valorativa da norma”, pois que, em princípio, o n.º 6 do artigo 41.º tem superioridade constitucional em relação ao artigo 276.º, que o restringe. Afasta-se, todavia, na declaração de voto esta interpretação, quer através de elementos históricos, quer comparatísticos, afirmando-se que o artigo 276.º integra o núcleo do regime da objeção de consciência prevista no artigo 41.º, n.º 6, ao mesmo tempo que se sustenta que interpretação distinta seria, ela sim, inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 276.º e do princípio da igualdade: “[o] objector total não é reconhecido pela Constituição, no sentido de que continua sujeito à obrigação substitutiva da prestação do serviço cívico. Mas isto não impede, obviamente, que seja reconhecido, já não como objector total, mas como objector ao serviço militar”. Sublinha-se, ainda, o que nos parece de relevar, que este serviço cívico pode ter formas alternativas de cumprimento, nomeadamente algumas que sejam aceitáveis para objetores totais como as testemunhas de Jeová, desde que ressalvado o princípio da equivalência de duração e penosidade com o serviço militar obrigatório (como sucede, por exemplo, na Alemanha).
- Em distinta declaração de voto, apresentada pelos Conselheiros Luís Nunes de Almeida e Armindo Ribeiro Mendes, sustenta-se, igualmente, que o direito à objeção de consciência é um direito procedimentalmente dependente, o que, porém, não admite que o procedimento de reconhecimento do respetivo estatuto seja injusto: “[o] que a Constituição seguramente não autoriza é que, sob a capa de um desiderato de natureza organizatória (organização do serviço cívico), o legislador ordinário faça depender a aquisição do estatuto de uma declaração de vontade do candidato de que está disposto a cumprir o serviço cívico alternativo”. Entendem os subscritores que, ao contrário do que defende a tese central do acórdão, não há sinalagma constitucional (entre o reconhecimento da objeção de consciência ao serviço militar e o cumprimento de serviço cívico substitutivo), o que existe, na verdade, é uma consequência do reconhecimento daquele estatuto, cujo incumprimento gerará a sanção respetiva. Defende-se, nessa medida, que a exigência de declaração feita na norma em crise, é um aliud em relação ao texto constitucional, afigurando-se desproporcionada e conduzindo, na realidade, não apenas ao não reconhecimento do objetor total (constitucionalmente sustentado), mas à negação do reconhecimento do objetor ao serviço militar, quando este seja, simultaneamente, objetor ao serviço cívico. Não lhe ser reconhecida esta segunda possibilidade, como não é, não implica nem pode implicar a negação da primeira.
- De modo idêntico, a declaração de voto da Conselheira Maria da Assunção Esteves recusa a posição que obteve vencimento, por entender que ela inverte o “sentido constitucional das coisas”, uma vez que a obrigação de prestação de serviço cívico só pode existir depois da concessão do estatuto de objetor de consciência (ao serviço militar) e nunca antes. Ao impor a declaração de aceitação de prestação de serviço cívico, a Lei n.º 7/92 está a invadir o espaço que é concedido à liberdade de consciência: “na posição de ter o estatuto de objector se entrecruzam os princípios da liberdade negativa e da dignidade. Essa posição vale com independência da necessidade ulterior de compatibilizar acções, de estabelecer a concordância prática com outros direitos”. Nessa medida, como conclui, a intervenção legislativa que estabelece o procedimento para obtenção do estatuto de objetor de consciência ao serviço militar só pode requerer a comprovação da sinceridade das convicções, da motivação pela consciência, pois que só isso pode ser permitido pelo princípio da liberdade de consciência tal como a CRP o consagra – para lá disso, como ocorre na norma da alínea d) do n.º 3 do artigo 18.º daquela lei, estamos perante uma afetação intensa na esfera privada.
- In conclusion, it seems for us important to highlight, on the one hand, the attempt made by the Court (in the majority decision) to not discuss the reason for conscientious objection, assuming that all conscientious objections are equal according to the law (an attempt to avoid discussion on discrimination against certain religious beliefs). But, on the other hand, it can be also noted (through the dissenting opinions) that such treatment ends up making a distinction and harming Jehovah’s Witnesses (and potentially other citizens as well), since their situation as total objectors turns out to be harmed in comparison with those who object to military service only.
Flávia Noversa Loureiro
Citar como: LOUREIRO, Flávia Noversa, “[Anotação a] Tribunal Constitucional, acórdão n.º 681/95, 05.12.1995”, 2021, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/
REFERENCES IN THE LITERATURE:
COUTINHO, Francisco Pereira, “Sentido e limites do direito fundamental à objecção de consciência”, Working Paper 6/01, 2001, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, disponível em https://www.fd.unl.pt/Anexos/Downloads/223.pdf
GARCIA, M. Miguez, O Direito Penal Passo a Passo, vol. I, 2nd ed., Coimbra, Almedina, 2015.
GOUVEIA, Jorge Bacelar, GOMES, M. Saturnino da Costa, e LOJA, Fernando Soares, Direito da Religião. Textos Fundamentais, Lisbon, INCM, 2015.
MACHADO, Jónatas, “A jurisprudência constitucional portuguesa diante das ameaças à liberdade religiosa”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra vol. 82, 2006, pp. 65-134.
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