EARLY SCHOOL-LEAVING | MINOR EMANCIPATED BY MARRIAGE | ROMA TRADITIONS | EARLY MARRIAGE
Porto Court of Appeal, proc. 1341/17.3T8MTS.P1, 18.05.2017
JURISDICTION: Civil
SUBJECT: Child protection
RAPPORTEUR: Teles de Menezes
RULING: Rejects the appeal, confirming the lower court decision, which had dismissed the child protection case on the grounds that the Law on the Protection of Children and Youths at Risk is not applicable to emancipated minors.
DOMESTIC LAW:
Constitution (Articles 69 and 70)
Civil Code (Articles 132, 133 and 1877)
Law on the Protection of Children and Youths at Risk, approved by Law No. 148/99, of 1 September 1999 [Articles 2, 3, 4, 5(a), 8(1), 63(1)(d), 106, 107, 110(1)]
Decree-Law No. 176/2012, of 2 August 2012 [Articles 1(1), 2, 6, 8(1)]
Lisbon Court of Appeal, proc. 783/11.2TBBRR.L1-1, 20.03.2012
INTERNATIONAL LAW:
Convention on the Rights of the Child (Article 1)
FOREIGN LAW: n.a.
KEYWORDS: Early school-leaving; mandatory schooling; minor emancipated by marriage; situation of danger; full and harmonious development; educated, responsible and proactive citizen; Portuguese nationality; minority status; domestic violence; early marriage; unity of the legal system; best interest of the child; Roma traditions; ethnicity; Roma children
COMMENTS:
- Este acórdão tem na sua base o abandono escolar por parte de uma jovem de etnia cigana que deixara de frequentar os estudos na sequência de casamento celebrado quando tinha 16 anos de idade. Na interação com a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, os pais da jovem haviam declarado que, de acordo com as tradições ciganas, a jovem não podia regressar à escola, por estar casada. O Tribunal da Relação não se detém, no entanto, em considerações sobre as tradições ciganas ou sobre os riscos eventualmente enfrentados pela jovem em virtude do casamento precoce – contrariamente ao pretendido pelo Ministério Público –, limitando-se a pronunciar-se sobre a questão da aplicabilidade das medidas de promoção e proteção previstas na Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) a menores de 18 anos de idade emancipados pelo casamento, tendo concluído pela negativa.
- O Ministério Público instaurara o processo de promoção e proteção da jovem, que abandonara o 7.º ano de escolaridade, por entender que esta, mesmo estando casada civilmente e emancipada em razão do casamento (nos termos dos artigos 132.º e 133.º do Código Civil), continuava, em razão da idade, a ser “criança ou jovem” para efeitos de aplicação de medidas de promoção e proteção e das regras legais relativas à escolaridade obrigatória [artigo 5.º, alínea a), da LPCJP e artigos 1.º, n.º 1, 2.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 176/2012, de 2 de agosto]. Segundo o Ministério Público, a menor vivia em “situação de perigo para sua educação, formação e desenvolvimento integral e harmonioso, tendo em vista tornar-se uma cidadã instruída, responsável e proactiva”.
- O tribunal court fizera uma interpretação restritiva da letra do artigo 5.º, alínea a), da LPCJP, “em respeito pela unidade da ordem jurídica”, convocando para o efeito a definição de criança dada pela Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas (que admite que a maioridade seja alcançada antes dos 18 anos) e o disposto no artigo 133.º do Código Civil a respeito da emancipação pelo casamento. Notando que a jovem tinha nacionalidade portuguesa, o tribunal court concluíra que ela deixara de ser destinatária da proteção da Convenção sobre os Direitos da Criança e de estar abrangida pela LPCJP quando se emancipara pelo casamento nos termos do Código Civil. O tribunal court explicara que a emancipação determina o termo do estatuto de menoridade, pelo que, ainda que a menor emancipada continue sujeita à escolaridade obrigatória, deixa de ser legítimo aos pais (cujas responsabilidades parentais cessaram) e ao Estado (através do sistema de proteção) intervir no sentido de “orientar a vida da jovem de forma contrária à sua vontade”, já que esta é “livre de reger a sua pessoa”. Por estes motivos, o tribunal court indeferira liminarmente o requerimento do Ministério Público e determinara o arquivamento dos autos.
- No seu recurso desta decisão, o Ministério Público manteve uma interpretação não restritiva do artigo 5.º, alínea a), da LPCJP, e defendeu não existir fundamento para distinguir, “em sede de perigo”, entre uma jovem de 16 anos emancipada de outra da mesma idade que não fosse emancipada, privando a primeira da proteção do Estado. Segundo o Ministério Público, a situação da jovem apresentava outros fatores de risco (a que a sinalização do abandono escolar aludira sem os especificar) que cumpria apurar. Extrapolando dos dados sub judice, o Ministério Público coloca a hipótese de a jovem ser vítima de violência doméstica por parte do marido, o que, a verificar-se, consubstanciaria uma situação de perigo para a sua segurança, saúde e integridade física, se não mesmo a vida, a que o Estado deveria responder com uma proteção adequada à sua idade. Segundo o Ministério Público, não faz sentido tratar de forma diferente duas jovens vítimas de violência doméstica só porque uma vive em união de facto (e, por isso, tem direito a beneficiar de medida de proteção) enquanto a outra está casada (e não tem esse direito). Continuando a sublinhar a situação de risco em que a jovem se encontrava, o Ministério Público equacionou também se o “casamento precoce não será ele próprio um factor de risco ou mesmo potenciador de perigo”, deixando a pergunta em aberto. O Ministério Público também contestou que a unidade da ordem jurídica pudesse ser posta em causa por uma interpretação do artigo 5.º, alínea a), da LPCJP que considerasse abrangidos os jovens emancipados pelo casamento, defendendo que a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Portugal em 1990, não pode derrogar a aplicação da LPCJP, que é posterior e que teria consagrado expressamente a definição de criança contida na Convenção se tivesse sido essa a intenção do legislador. Segundo o Ministério Público, a interpretação restritiva do artigo 5.º, alínea a), da LPCJP, é que punha em causa a unidade da ordem jurídica, por colidir com a proteção especial dos jovens prevista no artigo 70.º da Constituição. Por fim, o Ministério Público observou que o caso dos autos poderia justificar a aplicação, a favor da jovem, de uma medida de promoção e proteção como a de “apoio para autonomia de vida”, através da qual ela poderia ter acesso a programas de formação, que a salvaguardariam de uma “previsível dependência do marido”.
- In its judgment, the Court of Appeal notes that, under Articles 132 and 133 of the Civil Code, the emancipation by marriage grants the youth full capacity for the exercise of her rights, and that there are no grounds to limit the emancipated youth’s capacity, since emancipation equates her to an adult. Based on Articles 2, 3(1), 5(a) and 63(1)(d) of LPCYR, the Court concludes that the protection measures are only applicable to minors, either children or youths, and cease with the majority, except if the youth to whom a protection measure is being applied requests, upon turning 18, the extension of the measure until he or she becomes 21 years of age, which is not the case here. The Court also notes that the Civil Code provisions which allow the emancipation of minors by marriage are in accordance with the Constitution, so it cannot be argued that the lower court’s ruling breached Articles 69 and 70 of the Constitution, on the protection of children and youths.
- Cumpre ainda notar que o Tribunal distingue claramente a situação sub judice daquela que foi apreciada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (proc. 783/11.2TBBRR.L1-1, 20.03.2012), já que, apesar de, em ambos os casos, estarmos perante o abandono escolar por parte de crianças ciganas, naquele caso, a menor não estava emancipada e eram os pais que recusavam que ela frequentasse o ensino. “No nosso caso – contrapôs o Tribunal –, a menor deixou de o ser para efeitos legais, passando a ser equiparada a maior pela emancipação, pelo que, sendo livre de gerir a sua pessoa, não pode ser através de um processo de promoção e proteção que se lhe imporá a frequência da escola”.
- Centrando-se na questão técnica da delimitação do âmbito de aplicação da LPCJP, o Tribunal da Relação evitou pronunciar-se sobre a questão dos casamentos aos 16 anos e sobre a “tradição cigana” de abandonar os estudos na sequência do casamento. São, em todo o caso, relevantes as considerações tecidas pelo Ministério Público, que equiparara o facto de a menor se ter casado com 16 anos (o “casamento precoce”) a um fator de risco ou potenciador de perigo em si mesmo, apesar de o casamento ser expressamente permitido por lei, e que insinua a possibilidade de a jovem ser vítima de violência doméstica.
Nicole Friedrich
Regular contributor to the project InclusiveCourts Regular contributor to the project InclusiveCourts Translation from the Portuguese by Patrícia Jerónimo
Citar como: FRIEDRICH, Nicole, “[Anotação do acórdão do] Tribunal da Relação do Porto, proc. 1341/17.3T8MTS.P1, 18.05.2017”, 2022, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/
REFERENCES IN THE LITERATURE: n.a.
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