DISMISSAL | VALID REASON FOR TERMINATION | FALSE ILLNESS | SHAVED HAIR | UMBANDA RELIGION
Porto Court of Appeal, proc. 7526/15.0T8VNG.P1, 13.02.2017
JURISDICTION: Social
SUBJECT: Dismissal
RAPPORTEUR: Paula Leal de Carvalho
RULING: The appeal was partially granted, with amendment to the established facts and the conclusion that the worker had been legally dismissed with a valid reason for termination.
DOMESTIC LAW:
Code of Civil Procedure, approved by Law No. 41/2013, of 26 June 2013 [Articles 635(4), 639(1), 640]
Labour Procedural Code, approved by Decree-Law No. 295/2009, of 13 October 2009 [Article 1(2)(a)]
Labour Code, approved by Law No. 7/2009, of 12 February 2009 [Articles 119(1), 126, 128(1), 245(1)(b), 351, 357(4), 387(3)]
Civil Code, approved by Decree-Law No. 47344, of 25 November 1966 [Articles 342(2), 762]
Supreme Court of Justice judgment, proc. 08S3085, 03.06.2009
Supreme Court of Justice judgment, proc. 08S2589, 12.03.2009
Supreme Court of Justice judgment, proc. 09S0153, 22.04.2009
Supreme Court of Justice judgment, proc. 08S1905, 12.12.2008
Supreme Court of Justice judgment, proc. 08S1036, 10.12.2008
Porto Court of Appeal judgment, proc. 0844346, 17.12.2008
INTERNATIONAL LAW: n.a.
FOREIGN LAW: n.a.
KEYWORDS: Dismissal; valid reason for termination; Umbanda religion; false illness; shaved hair; disciplinary procedure; ritual; religious discrimination; ethical point of view; unbiased and impartial testimony; bonus pater familias; reasonable man; breach of trust; good faith; duty of respect, urbanity and probity; rules of proper social conduct; cordial treatment; rigour and honesty; duty of loyalty; transparency and integrity; ethical-legal precept; loyal cooperation; duty of diligence; deceit; tolerance; condescension; dishonest behaviour
COMMENTS:
- 1. This judgment is interesting because it differs from the traditional cases regarding multicultural jurisprudence since it does not relate to conflicts of fundamental rights and cultural-religious issues. However, the common point with the challenges existing in law and contemporary plural societies presents itself in analysing the labour procedural law underlying the case’s critical issue — the existence or inexistence of a valid reason for termination. This judgment is a rare example found in Portuguese legal databases that explicitly mentions the Luso-Afro-Brazilian religion of Umbanda, whose presence is steadily growing in Portugal and around the world.
- 2. Concisely, the court decision under analysis pertains to a worker — the respondent — who lied to her employer — the appellant — and colleagues in stating that she had cancer. Under the justification of health treatments, the worker began arriving late without presenting any written proof, such as a medical report. The employer allowed the worker’s delays as it was assumed that these were a necessary consequence of the oncological treatment. Reversing the lower court decision in part and amending the established facts, the Porto Court of Appeal partially granted the appeal. It concluded that the worker violated duties of probity, loyalty, and good faith. According to the labour legislation in force, the worker’s behaviour constituted serious misconduct and was, therefore, a valid reason for the termination of the work agreement. The relevant decision by the Porto Court of Appeal contradicted the Deputy Attorney General’s opinion, who had argued for the rejection of the appeal.
- Segundo o Tribunal, a trabalhadora, através do seu comportamento e declarações, violou vários de seus deveres como probidade, lealdade e boa-fé, resultando na inexigibilidade da manutenção da relação laboral por parte da entidade empregadora. Para chegar a esta conclusão, o Tribunal baseou-se em doutrina e jurisprudência que identificam três requisitos para o despedimento por justa causa. Resumidamente, estes requisitos são os seguintes: um elemento subjetivo (comportamento), objetivo (gravidade e consequências do comportamento) e um nexo de causalidade entre estes dois elementos. Em relação ao requisito da objetividade, deve-se notar que a decisão esclarece que este deve ser avaliado “segundo critérios de objetividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família”. Este último conceito pode ser alvo de crítica devido a uma possível conotação sexista, como aconteceu em França, onde se optou por eliminá-lo da legislação através do artigo 26.º da Lei n.º 2014-873, de 4 de agosto [cf. GEMA TOMÁS MARTÍNEZ, “La substituición del ‘Buen padre de familia’ por el estandar de la ‘persona razonable’: Reforma en Francia y valoración de su alcance”, Revista de Derecho Civil, vol. 2, n.º 1, 2015, pp. 58-66]. No entanto, no presente acórdão, o uso da expressão “bom pai de família” está justificado com base na legislação, jurisprudência e doutrina portuguesas, que, ademais, estão em sintonia com as de outros países europeus (p. ex., Itália) e a doutrina de Direito Romano do bonus pater familias [cf. KATHARINA STYPULKOWSKI, Der bonus pater familias im klassischen Römisches Recht: soziales Abbild und Rechtsbegriff, Hamburgo, Editora Dr. Kovač, 2017, pp. 181-214; AURELIA COLOMBI CIACCHI, “Alte und neue Paradigma in der Fahslässigkeitshaftung”, in A. Colombi Ciacchi et al. (eds.), Haftungsrecht im dritten Millenium: Liber Amicorum Gert Brüggemeier, Schriftenreihe des Zentrums für europäische Rechtspolitik an der Universität Bremen, vol. 52, Nomos, 2009, pp. 164-166].
- O papel da religião Umbanda emerge da análise dos fatos. O quesito dois da base instrutória formulado pela primeira instância dispõe ipsis litteris: “O mencionado em F) destinou-se a melhor convencer a Empregadora e os seus colegas de trabalho da doença referida em 1º)?”. Por sua vez, “o mencionado em F)” corresponde ao fato: “a trabalhadora rapou o seu cabelo”. De acordo com as declarações da trabalhadora em primeira instância, ela rapou o cabelo para cumprir um ritual da sua opção religiosa, a religião Umbanda. Durante a audiência, o tribunal court mostrou ter sensibilidade ao perguntar se a trabalhadora não teria mencionado ter cancro por receio de discriminação religiosa no ambiente laboral. Em resposta, porém, a trabalhadora afirmou que nunca disse padecer de cancro.
- A empregadora impugnou as afirmações da trabalhadora sobre o cabelo rapado. Esta salientou que o cabelo rapado foi uma arma de convencimento sobre a condição de paciente de cancro utilizada pela trabalhadora. A empregadora explicitou este argumento na nota de culpa do procedimento disciplinar, que não foi contestada pela trabalhadora: “Assim, desde início do ano de 2014, a trabalhadora arguida falta ou chega tarde ao trabalho dando como justificação que tinha um cancro na garganta e estava a fazer os respectivos tratamentos médicos. Tendo inclusivamente rapado o cabelo para melhor convencer a entidade patronal e os seus colegas”. Observa-se, portanto, o papel da aparência externa, ou seja, do cabelo, uma característica identitária central de grupos humanos [cf. VICTORIA SHERROW, Encyclopedia of Hair: A Cultural History, Westport, Greenwood Press, 2006, pp. XIX-XXVI], como meio de prova em um processo jurídico trabalhista.
- É interessante notar que a prova testemunhal produzida em primeira instância, através dos depoimentos do filho e do marido da trabalhadora, confirmou que esta professava a religião Umbanda e que rapar o cabelo constituía ritual da mesma. Ambas as testemunhas coincidiram na afirmação de que a raspagem do cabelo é uma prática voluntária da Umbanda [Comarca do Porto, 5.ª Secção Trabalho, proc. 7526/15.0T8VNG, 13.07.2016]. Esta informação das testemunhas está em sintonia com os trabalhos académicos existentes sobre esta religião, que denomina a prática de rapar o cabelo como “raspar o santo”, sendo esta parte da ritualística de iniciação na Umbanda. Alguns autores apontam Iabé, Fári ou Catular como sinónimos de “raspar o santo” [cf. ODÉ KILEUY e VERA DE OXAGUIÃ, O Candomblé Bem Explicado: Nações Bantu, Iorubá e Fon, Rio de Janeiro, Pallas, 2009, p. 138].
- No processo de transplantação da Umbanda para Portugal, o ritual de rapar o cabelo foi modificado para adequar-se à realidade portuguesa [cf. ISMAEL PORDEUS JR, Portugal em Transe: Transnacionalização das Religiões Afro-Brasileiras: Conversão e Performances, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2009, pp. 147-154; CLARA SARAIVA, “Energias e curas: A Umbanda em Portugal”, Revista Pós Ciências Sociais, vol. 8, n.º 16, 2011, pp. 57-59]. Assim, alguns líderes religiosos da Umbanda optam por não rapar o cabelo de novos adeptos para que estes não enfrentem dificuldades no quotidiano. Numa entrevista concedida a Clara Saraiva no âmbito de investigação etnográfica, um sacerdote da Umbanda observou: “Em Portugal, as pessoas não estão acostumadas com estas coisas. Aqui não é o Brasil ou a África. Se eu rapasse meus iaôs, como eles(as) poderiam retornar ao trabalho? Atualmente, é preciso tomar cuidado com essas coisas” [cf. CLARA SARAIVA, “Afro-Brazilian Religions in Portugal: bruxos, priests and pais de santo”, Etnográfica, vol. 14, n.º 2, 2010, p. 282]. A falta de familiaridade com os rituais da Umbanda é facilmente explicada pelo contexto socio-cultural e religioso de Portugal, país de maioria católica. Conforme explica Scott Lowe, o Cristianismo Ocidental deu preferência ao cabelo curto para indivíduos do sexo masculino e prescreveu cabelos longos, mal-cortados e controlados para pessoas do sexo feminino [cf. SCOTT LOWE, Hair, New York, Bloomsbury Publishing, 2016, p. 75]. O ritual Umbanda de rapar o cabelo vai na direção contrária do Cristianismo.
- Em relação ainda à base factual do processo, assinala-se que a pertença da trabalhadora à religião da Umbanda era desconhecida pelos seus colegas e sua empregadora. A religião da trabalhadora foi um fator decisório importante, não só na decisão sob análise, como também no processo de primeira instância, especialmente no que toca os pontos 5.º, 6.º e 7.º da Base Instrutória. Duas testemunhas da empregadora declararam perante o juiz de primeira instância que estavam convencidas de que a trabalhadora era católica, pois esta chegou a mencionar publicamente uma visita pascal em sua casa [Comarca do Porto, 5.ª Secção Trabalho, proc. 7526/15.0T8VNG, 13.07.2016]. Tal prática da trabalhadora não é de estranhar, uma vez que adeptos da Umbanda em Portugal são, paralelamente, praticantes de religiões cristãs [cf. CLARA SARAIVA, “Afro-Brazilian Religions in Portugal: bruxos, priests and pais de santo”, op. cit., p. 273], desenvolvendo, portanto, o denominado sincretismo religioso.
- Em todo o caso, o cabelo da trabalhadora não assumiu importância central, mas sim acessória na formação da convicção dos juízes. A questão principal consistiu em determinar se a trabalhadora havia comunicado (ou não) à empregadora que tinha um cancro na garganta, o que restou provado para o Tribunal da Relação. No entanto, cumpre destacar que os magistrados dedicaram especial atenção à questão do cabelo rapado, que acaba por formar parte da ratio decidendi: “No caso, pese embora não se tenha provado que a A. haja rapado o cabelo com o intuito de dar maior credibilidade à doença que alegou ter, o certo é que, propositada e conscientemente, disse à sua entidade empregadora e colegas de trabalho que padecia de cancro, fazendo-os crer de que assim era quando tal não correspondia à verdade”.
Mariana Monteiro de Matos
Guest researcher in the framework of InclusiveCourts’ collaboration with CUREDI
Citar como: MONTEIRO DE MATOS, Mariana, “[Anotação ao acórdão do] Tribunal da Relação do Porto, proc. 7526/15.0T8VNG.P1, 13.02.2017”, 2022, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/
REFERENCES IN THE LITERATURE: n.a.
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