EARLY SCHOOL-LEAVING | INSTITUTIONALISATION | ROMA ETHNICITY | RESPECT FOR THE CHILDREN’S ETHNIC AND CULTURAL BACKGROUND
Lisbon Court of Appeal, proc. 732/13.3TBVFX-A.L1, 11.09.2014
JURISDICTION: Civil
SUBJECT: Child protection
RAPPORTEUR: Jorge Vilaça
RULING: Rejects the appeal and confirms the lower court decision, which had determined the replacement of the measure of support to the parents by the institutionalisation of the children for a period of one year.
DOMESTIC LAW:
Law on the Protection of Children and Youths at Risk, approved by Law No. 147/99, of 1 September 1999 (Articles 3, 4, 34)
Code of Civil Procedure (Article 635)
Judgment of the Lisbon Court of Appeal, proc. 1035/06.5TBVFX-A.L1-2, 27.02.2014
INTERNATIONAL LAW: n.a.
FOREIGN LAW: n.a.
KEYWORDS: Roma ethnicity; different usages and customs; school absenteeism; rules and forms of life; different reality and way of life; special family nature; children’s social background; best interest of the child; situation of danger; poorly regarded at school; rejected and looked with suspicion for being Roma; deaf; social report; Roma tradition; single-parent female-led family; protection agreement; children’s upbringing and full development; extended family; mandatory schooling; discriminated; respect for culture; respect for the children’s ethnic and cultural background; ghetto; excluded; Portuguese society in general; specific ethnic and cultural background; education equal to that of other citizens; integrated in society; regarded as equal, without prejudice to their specific culture; most in line with their cultural background; aggressive behaviour
COMMENTS:
- Este acórdão tem por objeto um processo de promoção e proteção desencadeado devido ao absentismo escolar de dois menores de etnia cigana e é interessante pela importância que o “meio étnico e cultural dos menores” assume na fundamentação, com considerações sobre a necessidade de conciliar o respeito pela cultura com o respeito pela lei geral, sobre o direito das crianças ciganas a uma “educação igual à dos restantes cidadãos” e sobre a importância de promover a sua integração na sociedade portuguesa, evitando que vivam “em gueto”. É possível que a atenção dispensada a estes temas tenha resultado da insistência com que as alegações de recurso referiram a pertença étnica dos menores, um aspeto que o Tribunal não deixa de notar em tom crítico ao observar que o facto de os menores serem de etnia cigana fora referido “até à exaustão” nas alegações. O Tribunal concorda que os menores não podem ser discriminados por serem de etnia cigana e também que “é de respeitar a cultura própria do meio em que os menores estão inseridos”. Em contrapartida, o Tribunal recusa terminantemente a possibilidade de o afastamento dos menores da escola ter sido de algum modo provocado pela existência de um ambiente hostil na própria escola.
- O acórdão foi proferido em recurso interposto contra decisão que determinara a substituição de medida de proteção de apoio junto dos pais por medida de acolhimento em instituição de dois irmãos de etnia cigana que se encontravam em situação de abandono escolar. A medida de apoio junto dos pais havia sido objeto de um acordo de promoção e proteção, homologado por sentença judicial, que incluíra o compromisso por parte dos menores de serem assíduos e pontuais, terem aproveitamento escolar e respeitarem os professores, os auxiliares de ação educativa e os colegas. Os relatórios sociais produzidos ao cabo de cinco e onze meses de vigência do acordo haviam revelado que os menores não estavam a cumprir os compromissos assumidos, pelo que o Ministério Público desencadeara o processo de promoção e proteção visando a institucionalização dos menores. A decisão court determinara a institucionalização dos menores, por considerar que estes se encontravam entregues a eles próprios, com perigo para a sua formação, já que a progenitora não revelara ter “qualquer capacidade e competência para conduzir o processo educativo dos dois filhos” e também não eram conhecidas pessoas da família alargada ou outras que pudessem acolher os menores.
- Em recurso contra a decisão court, foi alegado, no essencial, que (i) os menores não estavam em situação de perigo, sendo bem cuidados pelos pais; (ii) o absentismo escolar não podia ditar uma medida drástica como era o afastamento dos menores do meio familiar e da etnia cigana no seio da qual estes sempre haviam vivido; (iii) os menores dificilmente poderiam ser “formatados” para uma outra realidade e modo de vida diversos dos seus; (iv) a institucionalização iria piorar os índices de agressividade e de revolta dos menores; e (v) o absentismo escolar não resultava de falta de cuidado da família, mas sim do facto de os menores, por serem de etnia cigana, serem mal vistos na escola, “rejeitados e olhados de lado”, confrontados com usos e costumes diferentes dos seus, o que os levava a não se sentirem bem na escola.
- Na apreciação do recurso, o Tribunal da Relação começa por reproduzir as disposições relevantes da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (artigos 3.º, 4.º, 34.º), onde são elencados os tipos de situações que constituem situações de perigo, os princípios pelos quais se deve reger a intervenção e os objetivos prosseguidos pelas medidas de promoção e proteção. O Tribunal detém-se depois na importância que a educação assume para “jovens como os dos autos”, inscritos no 6.º ano do ensino básico e ainda sujeitos ao ensino obrigatório. Reportando-se aos factos descritos nos relatórios sociais, o Tribunal critica o comportamento dos menores, observando que estes “primam pela constante ausência das aulas e, quando aparecem na escola, não demonstram um comportamento que se considere propriamente o mais adequado”. Nota também que a mãe, enquanto encarregada de educação, nunca compareceu na escola e que tanto ela como os menores não cumpriram os compromissos assumidos no acordo de promoção e proteção. Como referido no início desta anotação, o Tribunal detém-se na circunstância de os menores serem de etnia cigana, despendendo a este respeito as seguintes considerações: (i) os menores “não podem ser discriminados por serem de etnia cigana e por viverem no meio dessa mesma etnia”; (ii) “é de respeitar a cultura própria do meio em que os menores estão inseridos”; (iii) “o respeito pelo meio étnico e cultural dos menores não pode implicar o desrespeito pelas regras legais gerais respeitantes ao ensino obrigatório”; (iv) “o facto de os menores serem de etnia cigana [não] significa que o melhor seja o de viver em gueto, completamente desintegrados dos restantes cidadãos e da restante sociedade portuguesa em geral”; (v) a exigência da frequência do ensino obrigatório não constitui um atropelo ao “direito ao respeito que os menores merecem enquanto integrados num meio étnico e cultural específico”; (vi) a exigência de adoção de todas as medidas necessárias “à obtenção de uma educação igual à dos restantes cidadãos é uma forma perfeitamente adequada de proteger os menores”, já que, por essa via, poderão ser mais bem integrados na sociedade e “serem vistos como iguais, sem prejuízo da sua cultura própria”; e (vii) é errada a pretensão de que os “comportamentos inadequados” que os menores adotam na escola sejam os “mais consentâneos com o seu meio cultural”. Apesar de se mostrar sensível à importância do enquadramento cultural dos menores, o Tribunal recusa-se a aceitar que este explique tudo e que dispense os menores do respeito pela lei geral. O Tribunal considera que o afastamento dos menores da sua família é o melhor meio de os proteger e de promover os seus direitos, por a família não ter conseguido inverter a situação de absentismo escolar e ter dado mostras de uma “completa ausência de responsabilidade”, já que a mãe nunca comparecera na escola para se inteirar da situação escolar dos filhos e pretende imputar à escola a responsabilidade pelos comportamentos inadequados dos filhos.
- Temos dúvidas de que a institucionalização dos menores pelo período de um ano, ao implicar a separação da mãe e do ambiente que lhes é familiar, seja uma medida proporcional ao fim prosseguido de assegurar que estes continuem a frequentar a escola ou o melhor meio de proteger os menores e de promover os seus direitos. Considere-se, a este respeito, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 1674/18.1T8TMR.E1, 09.09.2021, que qualificou como “iníqua e desproporcionada” uma medida de acolhimento residencial de dois menores de etnia cigana, invocando em apoio dessa conclusão os princípios da proporcionalidade e atualidade e da prevalência da família, estabelecidos pelo artigo 4.º, alíneas e) e h), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, bem como o direito das crianças a viverem com os pais, consagrado no artigo 9.º, n.º 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança.
- Também nos merece reservas o facto de o Tribunal da Relação de Lisboa ter rejeitado liminarmente a alegação de que o comportamento dos menores fora motivado pelo ambiente hostil vivido na escola. A este respeito, o Tribunal observa apenas que, “[c]ontrariamente ao defendido no recurso, nos autos está demonstrado que os comportamentos agressivos verificados foram dos menores e não de quaisquer outras pessoas. Não está demonstrado qualquer facto que revele que o afastamento dos menores da escola se tenha devido a rejeição dos mesmos pelo ambiente escolar”. O Tribunal parece ter-se baseado exclusivamente no conteúdo dos relatórios sociais para chegar a esta conclusão. As dificuldades de integração escolar das crianças ciganas estão amplamente documentadas em Portugal e é sobejamente conhecido que o preconceito contra os ciganos contribui para a criação de um ambiente escolar inóspito [cf., entre outros, ISABEL MOREIRA MACEDO, O Sucesso Escolar de Minorias: Estudo Sociológico sobre Trajectórias Escolares de Alunas e Alunos Ciganos na Escola Pública Portuguesa, Braga, Instituto de Educação da Universidade do Minho, 2010; MARIA JOSÉ CASA-NOVA, “A relação dos ciganos com a escola pública: contributos para a compreensão sociológica de um problema complexo e multidimensional”, Revista Interacções, n.º 2, 2006, pp. 155-182; PEDRO JORGE CAETANO et al., “Como acolher os estudantes ciganos na escola pública? Do reconhecimento da alteridade a uma pluralidade de arranjos discriminatórios”, Vértices, vol. 23, n.º 3, 2021]. No caso concreto, tendo presente ademais que um dos menores é surdo, não nos parece que se possa dizer que a alegação de que os menores não se sentiam bem na escola seja descabida ou uma simples forma de fugir às responsabilidades atirando as culpas para a escola. O facto de os menores terem comportamentos agressivos não significa – contrariamente ao que parece ser a dedução do Tribunal – que essa agressividade não possa ter sido motivada, ainda que só parcialmente, pela desconfiança, incompreensão e hostilidade encontrada em contexto escolar. Mesmo admitindo que o Tribunal tinha razões para decidir no sentido da institucionalização dos menores, não vemos razões para desvalorizar as dificuldades de integração escolar dos menores e para não reconhecer que estas não lhes são exclusivamente imputáveis.
- A final note to mention that the version of the judgment which is published on the Ministry of Justice’s website [Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça I.P. (IGFEJ)], of which a copy is enclosed with this annotation, includes a summary that does not correspond to the content of the judgment. That is the reason why the legal provisions and keywords in the summary are not included in the annotation.
Patrícia Jerónimo
Nicole Friedrich
Citar como: JERÓNIMO, Patrícia, e FRIEDRICH, Nicole, “[Anotação ao acórdão do] Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 732/13.3TBVFX-A.L1, 11.09.2014”, 2022, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/.
REFERENCES IN THE LITERATURE: n.a.
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