TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES | PESSOAS DE ETNIA CIGANA | ACAMPAMENTO CIGANO | ESTIGMA | STATUS | MARGINALIDADE
Supreme Court of Justice, proc. 03P148, 20.02.2003
JURISDICTION: Criminal
SUBJECT: Drug trafficking
RAPPORTEUR: Oliveira Guimarães
RULING: Partial grant of the appeal by defendant A., with a reduction of the prison sentence to five years and six months, and full grant of the appeal by defendant B., with suspension of the execution of the prison sentence for the period of two years, under probation.
DOMESTIC LAW:
Criminal Code (Articles 40, 50, 53, 70, 71)
Code of Criminal Procedure [Articles 410(2), 432]
Decree-Law No. 15/93, of 22 January 1993 (Articles 21, 24, 25, 26)
Decree-Law No. 430/83, of 13 December 1983 (Article 24)
Supreme Court judgment, proc. 50/00, 10.05.2000
Supreme Court judgment, proc. 362/97, 11.06.1997
INTERNATIONAL LAW: n.a.
FOREIGN LAW: n.a.
KEYWORDS: Social circumstances; personal circumstances; encampment of individuals of Roma ethnicity; Roma encampment; minimum social income; peaceful person; social scourge; social fabric; the agent’s reintegration into society; personal profile; family context; life course; personal and social conditions; future prospects; imprecisely ascertained personality; persons of Roma ethnicity; stigma; status; marginality; boon
COMMENTS:
- This judgment reviews the measure of the penalties imposed on two women of Roma ethnicity, convicted in the first instance for drug trafficking offenses. It is interesting mainly for the Court’s comments on the difficulties faced in the follow-up of persons of Roma ethnicity by the social reintegration services, including the use of terms such as stigma, status and marginality. The Court concludes that those difficulties cannot be used as a reason not to apply the general law, i.e., the provision in the Criminal Code which, at the time, authorised the suspension of the execution of prison sentences of no more than three years [Article 50(1), which, since 2007, allows the suspension of the execution for prison sentences of no more than five years].
- The lower court had convicted defendant A. for a drug trafficking offense on a prison sentence of seven years, and defendant B. for a minor drug trafficking offense on a prison sentence of one year and six months. On appeal, defendant A. alleged that the lower court had not paid due regard to her social and personal circumstances, nor to the fact that she had been cooperative, and asked for a reduction of the penalty to the legal minimum established for the crime, i.e., four years of imprisonment. Defendant B. alleged that the lower court had breached Articles 70 and 50 of the Criminal Code, since it had opted for a penalty involving deprivation of liberty and had not suspended the execution of the prison sentence, respectively, and asked for the suspension of the prison sentence that had been applied to her.
- O Tribunal concedeu provimento parcial ao recurso da arguida A., reduzindo a pena de prisão para cinco anos e seis meses, e provimento integral ao recurso da arguida B., suspendendo a execução da pena de prisão, pelo período de dois anos, durante os quais a arguida B. ficou sujeita a regime de prova, nos moldes a definir pelos serviços de reinserção social, com eventual aceitação da sugestão aventada pelo Tribunal “de se buscar conseguir [para a arguida B.] uma ocupação profissional ou emprego compatível”. A redução da pena de prisão aplicada à arguida A. foi concedida apesar de o Tribunal entender que o perfil pessoal da arguida estava “longe de ser favorável ou sequer sofrivelmente abonatório”. O Tribunal justificou a redução com o argumento de que “uma pena menos gravosa pode repercutir-se positivamente na conduta futura da arguida post cumprimento prisional, caso esta queira (e não é de enjeitar ‘a priori’ que o queira) corresponder à benesse de uma redução”, e de que a pena estipulada pelo tribunal court se afigurara “um tanto ou quanto excessiva”. A suspensão da pena da arguida B. foi concedida por estarem preenchidos os requisitos objetivos fixados pelo artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, e por, no entender do Tribunal, os escassos dados disponíveis sobre o perfil pessoal e social desta arguida imporem “que se arriscasse uma prognose favorável”, no sentido de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
- É interessante observar que o Tribunal lamenta que não tenha havido, por parte do tribunal court, um maior cuidado em “perscrutar” o percurso de vida da arguida B., em indagar os motivos por que esta não tinha ocupação profissional, em conhecer a sua “envolvência familiar”, as suas “condições pessoais e sociais presentes e [as] suas perspectivas futuras”. Da matéria de facto dada como provada em primeira instância, resulta apenas que ela era nora da arguida A., que era jovem (23 anos), não tinha antecedentes criminais e não tinha qualquer atividade profissional. Não parece ter havido lugar à produção de Relatório Social para qualquer das arguidas. Quanto à arguida A., a lista dos factos dados como provados indica que esta vivia com um homem de quem tinha vários filhos e com uma filha de 12 anos a seu cargo, que o seu agregado familiar apenas auferia o rendimento mínimo garantido, que era tida como pessoa pacífica, que não tinha qualquer atividade profissional e que tinha sido anteriormente condenada por crime de tráfico de estupefacientes numa pena de cinco anos e seis meses de prisão. Como referido supra, o Tribunal entendeu que este quadro – conjugado com a “dimensão expressiva” da culpa, a qualidade e a quantidade da droga em causa – estava “longe de ser favorável ou sequer sofrivelmente abonatório”. A origem étnica das arguidas não é explicitamente referida na lista dos factos dados como provados, onde apenas se refere que a venda de heroína decorrera num “acampamento de indivíduos de etnia cigana”. O sumário feito pelo Tribunal das alegações de recurso apresentadas pela arguida A. não permite saber com certeza se a pertença à etnia cigana foi invocada por ela como parte das suas circunstâncias sociais e pessoais. Seja como for, o Tribunal não faz qualquer menção à etnia cigana na apreciação que faz do perfil desta arguida. Em contrapartida, ao justificar o juízo de prognose favorável que arrisca fazer a respeito da arguida B, o Tribunal situa claramente a arguida enquanto pessoa de etnia cigana, sopesando as previsíveis dificuldades do seu acompanhamento pelos serviços de reinserção social (resultantes dessa pertença) com os possíveis benefícios em matéria de correção da marginalidade.
- Ainda que conclua pela necessidade de assegurar a igual aplicação da lei penal “a todo e qualquer cidadão”, o Tribunal lança mão de generalizações problemáticas a respeito das pessoas de etnia cigana, que não podem deixar de ser assinaladas. A passagem mais relevante a este respeito é a seguinte: “E por muito que se saiba (ou se reconheça) que o acompanhamento, pela Reinserção Social, de pessoas de etnia cigana (e esta não é um estigma mas um ‘status’) é, por vezes, difícil e problemática, que isso não sirva de razão e de argumento para descartar os princípios que referimos e a legitimidade da sua aplicação, bem como da extensibilidade do seu funcionamento, a todo e qualquer cidadão, pois que eles se postulam justamente pela finalidade de corrigirem a marginalidade”. Dir-se-á que bastaria invocar o princípio da igualdade para justificar a aplicação à situação da arguida B. dos princípios em causa (i.e., contraproducência das penas curtas de prisão e ordenação, em regra, da pena de substituição), não sendo inteiramente clara a necessidade de acrescentar a menção à correção da marginalidade, sobretudo quando combinada como o advérbio “justamente”, que sugere que o que está em causa é mais o combate à marginalidade (dos ciganos) do que a aplicação igual da lei penal a que estes, como quaisquer cidadãos, têm direito. Também temos dúvidas de que fosse necessário ou oportuno referir as dificuldades de reinserção social das pessoas de etnia cigana como sendo do conhecimento geral ou amplamente reconhecidas. Em todo o caso, a avançar com generalizações deste tipo, teria sido conveniente incluir referências para estudos (académicos e/ou oficiais) que lhes dessem algum suporte. Refira-se ainda que não é inteiramente claro o sentido útil do parêntesis em que o Tribunal ressalva que a etnia cigana não é um estigma, mas sim um “status”, nem o entendimento que o Tribunal tem de um e outro termos. Por último, cumpre notar o repetido uso pelo Tribunal do termo “benesse” – a “benesse de uma pena de substituição”, a “benesse de uma redução” – para designar o tratamento dado aos pedidos feitos por ambas as arguidas. Mais uma vez, do que se trata é de aplicar a lei geral em condições de igualdade, mas o uso deste termo sugere uma atitude condescendente por parte do Tribunal e a concessão de um tratamento de especial favor, o que pode ser fonte de equívocos.
Patrícia Jerónimo
Nicole Friedrich
Citar como: JERÓNIMO, Patrícia, e FRIEDRICH, Nicole, “[Anotação ao acórdão do] Supremo Tribunal de Justiça, proc. 03P148, 20.02.2003”, 2022, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/.
REFERENCES IN THE LITERATURE: n.a.
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