FOREIGN JUDGMENT REVIEW | MOROCCAN DIVORCE | REPUDIATION | INTERNATIONAL PUBLIC ORDER | PRINCIPLE OF EQUALITY

 

 

Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 405/19.3YRLSB-2, 07.04.2020

 

JURISDIÇÃO: Cível – Família e Menores

SUBJECT: Foreign judgment review

RAPPORTEUR: Pedro Martins

RULING: Grants exequatur to divorce decision.

DOMESTIC LAW:

1976 Constitution (Articles 7, 8, 13, 20 and 36)

Code of Civil Procedure, as amended by Decree-Law No. 329-A/95, of 12 December 1995 (Articles 978, 979, 980, 1096)

Civil Code (Article 1781)

Supreme Court of Justice judgment, proc. 103/13.1YRLSB.S1, 14.03.2017

Lisbon Court of Appeal judgment, proc 10602/2005-2, 18/10/2007

Lisbon Court of Appeal judgment, proc. 2778/19.9YRLSB, 11.12.2019

INTERNATIONAL LAW:

Regulation Brussels II bis (Article 46)

Regulation Roma III

The Hague Convention of 1970

Unibank judgment of the European Union Court of Justice, proc. C-260/97, 17.06.1999

FOREIGN LAW:

Moroccan Family Code (Mudawana), approved by Dahir No. 1-04-22, of 03.02.2004

Moroccan Personal Status Code (1957-1958)

Moroccan Law No. 1.93.347, of 10.09.1993

Ley 15/2005, of 8 July 2005 (Spain)

Spanish Civil Code

French Civil Code (Articles 237 and 238)

Cour de Cassation, First Civil Division, judgment of 23.10.2013, proc. 12-25.802

Cour de Cassation, First Civil Division, judgment of 23.10.2013, proc. 12-21.344

KEYWORDS: Foreign judgment review; international public order; principle of equality; Moroccan divorce; equality between the parties; Kingdom of Morocco; principles of public order of the Portuguese State; revocable divorce; Muslim law; Idda; Mudawana; repudiation; dissolution of marriage; revocable repudiation; legal waiting period; dowry; wali; Muslim notaries; Islamic law; Jewish law; talaq; ghet; tamlik; human dignity of the wife; Muslim divorce; husband’s unilateral declaration; Algerian law; limping situations; translation; foreign legal system; administrative and religious procedures; religious authorities

COMMENTS:

  1. After issuing conflicting decisions regarding the review of foreign judgments that granted the unilateral divorce by the husband’s unilateral declaration (talaq, also translated as divorce by repudiation), in the judgment of the proc. 10602/2005-2, of 18.10.2007, and in the judgment of the proc. 1378/18.YRLSB-7, of 19.11.2019, the Lisbon Court of Appeal had the opportunity to take a further position on this matter in the judgment of the proc. 405/19.3YRLSB-2, of 07.04.2020.

 

  1. O acórdão discutiu a possibilidade de a confirmação deste divórcio decretado pela ordem jurídica marroquina ter um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português, “o que, nessa hipótese, deveria levar à não confirmação, por rejeição do conjunto de normas que permitiram tal decisão”, tendo em conta o disposto no artigo 980.º, alínea f), do Código de Processo Civil (CPC) ex vi o artigo 1096.º, alínea f), do CPC. Refere o acórdão que “[h]á muito que quer o direito islâmico quer o direito judaico, relativo a um certo tipo de divórcio, têm servido de exemplo de um conjunto de normas que põe em causa princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português (OPI) e que, por isso, não deve ser aplicado”.

 

  1. Este acórdão discutiu, em primeiro lugar, a possibilidade de a ofensa aos princípios da ordem pública internacional do Estado português se fundamentar na inexistência no Direito português da figura do divórcio unilateral por declaração de apenas uma das partes. Quanto a esta questão, concluiu que “a ideia do divórcio a pedido já não é estranha ao nosso ordenamento jurídico e, por isso, já não provoca um sentimento de rejeição”. Isto, porquanto, apesar de não se consagrar ainda “o divórcio a pedido”, existe já no ordenamento jurídico português, desde 2008, o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, embora com fundamentos previstos legalmente no artigo 1781.º do Código Civil, entre eles os previstos na alínea (a), em que basta a simples separação de facto por um ano consecutivo, e na alínea (d), quanto à rutura definitiva do casamento. Por esta razão, conclui-se que a inexistência da figura do divórcio unilateral no ordenamento jurídico português não obsta, por si só, ao reconhecimento de sentença estrangeira que o admita.

 

  1. Next, the Court analyses the possibility that the legal concept of unilateral divorce by the husband’s declaration (repudiation) would breach the principles of international public order of the Portuguese State as it does not guarantee the compliance with the principle of equality, which is established by the general regime of fundamental rights of the Constitution of the Portuguese Republic in its Article 16. This argument has been broken down into two formulations: (a) one that considers the conditions of equality between spouses at the time of the constitution and, consequently, of the dissolution of the marriage, pursuant to Article 36 of the Constitution; (b) another that refers to the equality of arms in the proceedings and the adversarial principle, which is a fundamental right in access to justice, pursuant to Article 20 of the Constitution, and expressly provided for in Article 1096(f) of the Portuguese Code of Civil Procedure as one of the causes that may object to the recognition of a foreign judgment. The latter was the ground raised by the Court to refuse the exequatur in its judgment in proc. 1378/18.YRLSB-7, of 19.11.2019 [ annotation available at https://inclusivecourts.pt/en/tribunal-da-relacao-de-lisboa-proc-1378-18-yrlsb-7-19-11-2019].

 

  1. Sobre esta questão, o presente acórdão chama a atenção para a necessidade de considerar “em concreto” as circunstâncias do caso que determinam o grau de conexão com o Direito nacional, sendo mais exigente no caso de existir uma forte conexão à ordem pública internacional do Estado português. Pondera, inclusivamente, de forma retórica, a possibilidade de ser a parte em condições de desigualdade a requerer o reconhecimento de sentença estrangeira. Para este efeito, o Tribunal vale-se da doutrina que se pronunciou sobre o assunto, em especial Ferrer Correia, Luís Lima Pinheiro e Mariana Silva Dias.

 

  1. According to the Court, the very weak connection to the Portuguese legal system would justify a less demanding compliance of the results of the review of a foreign judgment with the principles of international public order of the Portuguese State. So, the Court considers that this case is precisely one of those where there is no relevant connection to the Portuguese State, because the applicant and the defendant were both Moroccan and lived in Morocco, their divorce had been granted in Morocco in 1995, about one and a half year after marriage, over more than 24 years at the time of the decision, and considered also that the applicant only acquired Portuguese nationality in 2009 and resides in France, while his ex-wife continues to reside in Morocco.

 

  1. Finally, the Court considers the non-jurisdictional nature of the judgment under review, with consequences also on the previously mentioned argument of the equality of arms between the parties. The Court here resorts to the Hague Convention of 1970, where divorces are recognised if they were granted in the course of legal proceedings or any other procedure officially recognised in the Contracting State of origin, which would include not only divorce legal decisions, but also those resulting from administrative or religious proceedings, as will be the case here.

 

  1. A decisão no caso em anotação parece ter ponderado adequadamente a figura do reconhecimento de sentença estrangeira, ao estabelecer que “não é correcta a posição de que o reconhecimento só pode ser recusado quando a parte decisória da sentença a rever é, em si mesma, contrária à OPI (baseada no teor do artigo 1096/-f do CPC na redacção de 1939/1961, que se referia a ‘decisões’ contrárias), sendo irrelevante que os fundamentos em que assenta sejam ou não contrários à OPI (sem que essa posição tenha em conta que os arts. 1096/-f do CPC na redacção de 1996 e o art. 980/-f do CPC na redacção de 2013, falam em ‘resultados’ incompatíveis)”. A partir daqui o próprio acórdão constata que esta interpretação ameaça a afirmação do sistema português de revisão de sentenças estrangeiras como um sistema de reconhecimento individualizado, com controlo fundamentalmente formal.

 

  1. A conclusão lógica deste argumento parece impor uma precisão na ponderação casuística dos factos subjacentes “em concreto” feita pelo Tribunal. Como se afirmou já em anotação ao acórdão do Tribunal, no proc. 10602/2005-2, 18.10.2007, in https://inclusivecourts.pt/tribunal-da-relacao-de-lisboa-proc-10602-2005-2-18-10-2007/, esta ponderação de facto deve fazer-se sempre com referência aos “resultados” da decisão de reconhecimento da sentença estrangeira e não autonomamente com referência aos factos sub judice no reconhecimento da decisão revidenda como acabou por se fazer neste caso. Esta é, aliás, solução imposta pelo regime construído no artigo 980.º, alínea f), do CPC ex vi o artigo 1096.º, alínea f), do CPC, depois da revisão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro.

 

  1. A revisão da alínea f) do artigo 1096.º do CPC passou da exigência de que a sentença revidenda não contivesse “decisões contrárias aos princípios de ordem pública portuguesa” para o texto atual que prevê que a sentença “não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português” (sublinhado nosso). Esta evolução da previsão legislativa reforçou a natureza relativa da integração de um juízo casuístico que pondera o resultado do reconhecimento de sentença estrangeira e o caráter excecional do conhecimento da ordem pública internacional no reconhecimento de sentenças estrangeiras, ao qualificar o resultado do reconhecimento como “manifestamente incompatível” com esta.

 

  1. Assim se evita também o potencial de criação de limping situations ao nível internacional, pelas quais se poderia recusar o reconhecimento na ordem jurídica nacional do divórcio decretado e a produzir efeitos plenos na ordem jurídica com a qual mantém elementos de maior conexão, como bem refere o acórdão.

 

Ricardo Sousa da Cunha

Guest contributor, integrated researcher at JusGov Translated from the Portuguese by Igor Pedro Gil, Inovtrad - Tradução, Formação e Serviços

 

Citar como: CUNHA, Ricardo Sousa da, “[Anotação ao acórdão do] Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 405/19.3YRLSB-2, 07.04.2020”, 2021, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/

 

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  1. It is worth noting that the Court makes extensive use of references to foreign law, not only Moroccan law, which is directly relevant for the assessment of the instant case, but also Spanish and French law, with references to legislation and case law. The French courts’ insistence in the spouses’ residence in France is actually invoked by the Court in support of its option to confirm the decision under review. According to the Court, even the very restrictive French courts would grant exequatur in a case such as the one at hand, since both spouses are Moroccan and resided in Morocco at the time of the divorce (issued over 24 years ago), none of them resides in Portugal and the applicant only acquired Portuguese nationality in 2009.

 

  1. Este acórdão também é interessante pela importância assumida pela questão do acesso ao conteúdo do Direito marroquino e pelas diferenças existentes entre as versões linguísticas (portuguesa, francesa e castelhana) consultadas. O acórdão menciona que o Procurador-Geral Adjunto requereu a notificação do requerente para juntar aos autos cópia devidamente traduzida da legislação marroquina ao abrigo da qual se processou a dissolução do casamento, mas o Tribunal fez o cotejo entre a tradução junta pelo requerente e as traduções francesa e castelhana disponíveis online (publicadas pelo Ministério da Justiça e das Liberdades do Reino de Marrocos e pela Asociación de Trabajadores e Inmigrantes Marroquíes en España, respetivamente), tendo apontado as discrepâncias entre as diferentes versões linguísticas em vários pontos do acórdão, referindo-se aos “problemas que colocam os termos usados e as suas traduções”. Na apresentação da legislação aplicável, o Tribunal reproduz passagens do Código da Família marroquino, em língua francesa, incluindo a tradução portuguesa para os preceitos considerados relevantes no caso concreto. O Tribunal mostra ter consultado legislação e relatórios disponíveis em sites oficiais do Reino de Marrocos, bem como trabalhos académicos de autores portugueses e estrangeiros (mas não marroquinos) sobre a interpretação do Código da Família marroquino e sobre o reconhecimento de decisões proferidas ao abrigo deste Código por tribunais europeus. O estudo de Mariana Silva Dias é, aliás, referido como tendo servido ao Tribunal para “melhorar a tradução que foi feita da acta em causa”, submetida pelo requerente. Contrariamente ao sugerido pelo requerente, a decisão revidenda não era uma sentença de um tribunal proferida num processo de divórcio por mútuo consentimento, mas sim do assento por notários muçulmanos, sob supervisão de juiz, da decisão unilateral do requerente de se divorciar da mulher, manifestada perante esta.

Patrícia Jerónimo

 

Citar como: JERÓNIMO, Patrícia, “[Anotação ao acórdão do] Tribunal da Relação de Lisboa, proc. 405/19.3YRLSB-2, 07.04.2020”, 2021, disponível em https://inclusivecourts.pt/jurisprudencia2/

 

 

REFERENCES IN THE LITERATURE: n.a.

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